Os "Quadros de uma exposição", de Moussorgski, levam a imaginação e a linguagem musical um belo passo adiante do que eram as convenções da época.
Esta brilhante coleção de "desenhos" musicais, na obra de Moussorgski, vem logo depois do gigantesco trabalho que foi "Boris Godunov", a maior ópera russa. Sabemos como o "Boris" afetou a sensibilidade de um Debussy, e ajudou-o a partejar um mundo novo, em termos de som. Os "Quadros" fazem o mesmo para a música pianística. Como no caso do "Boris", houve quem, ante essas peças intensamente originais, falasse em inadequação ou pobreza da linguagem instrumental; como se Moussorgski, nesse caso, tivesse querido apenas prolongar a rica tradição do piano na música europeia. Mas aqui, como no "Boris", ele queria uma outra coisa. Pianista consumado, ele teria escrito, se quisesse, num "pianismo" perfeito. Mas o piano, para ele, era um dos meios de revelar uma nova sensibilidade – que nunca se contentou com a visão tradicional das coisas.
Registrando, em música, suas impressões de uma exposição de pintura – quadros de seu amigo Hartmann-, Moussorgski também não está fazendo "música descritiva", ou "música de programa". Os quadros vão ser o fio condutor; e o tema principal vai acompanhar-nos ao longo dessa peregrinação. Mas assim como o tema passa por toda sorte de variações, à medida que entramos no campo magnético deste ou daquele quadro, também a visão se altera, acompanhando a sensibilidade de quem vê. Já temos, aqui, alguma coisa da "inversão copernicana" que é o segredo da arte moderna: uma visão mais "de dentro" do que o simples registro de uma impressão.
Esse aspecto subjetivo não deve enganar-nos face à riqueza da arte de Moussorgski. Ela pode assumir todos os tons: o da intensa poesia que banha "O Velho Castelo"; a alacridade dos pintinhos saindo fora de suas cascas; a massa impressionante do "Carro Polonês"; a alternância quase cômica das vozes do judeu rico e do judeu pobre; a atmosfera espectral das "Catacumbas"; o ritmo frenético da cabana da Baba Yaga; e, finalmente, o colorido esplendoroso da Grande Porta de Kiev. O milagre, aqui, é que tantas visões e tons diferentes contribuem para a formação de um magnífico painel de que emerge a personalidade inconfundível de Moussorgski.
O Prokofieff que escreveu as "Visões Fugitivas" andava pelos seus 25 anos, e passava por uma fúria composicional. É como o primeiro encontro definitivo consigo mesmo; e daí podem surgir tanto a "Suite Cita" como a "Sinfonia Clássica"; o Concerto n. 1 para violino, cheio de lirismo, e essas estranhas e essenciais "Visões Fugitivas".
"A n.19 evoca os primeiros combates revolucionários e nos mergulha numa realidade sangrenta, que o artista não se permitiu ignorar", escreve Claude Samuel.
De fato, em 1917, quando os exércitos alemães se dirigiam para Petrogrado (um dos nomes de São Petersburgo), Prokofieff resolveu juntar-se à mãe, que fazia uma estação de cura em Kislovodsk. Mas os acontecimentos se precipitaram, e as notícias mais contraditórias chegaram à cidade sobre a formação do governo Lenin. Prokofieff não podia mais alcançar Petrogrado. "Eu não tinha mais trabalho à minha frente, e isso me entediava", ele escreveu de forma característica. Comentou Shostakovich, numa outra época: "Ele tinha de compor todos os dias. Os chamados dias de descanso eram os mais penosos para ele".
Diz o próprio Prokofieff, falando das "Visões": "A n.19, escrita nessa época, reflete parcialmente minha impressão – a ideia de multidão, mais do que a essência da revolução". E assim vão surgindo essas vinte peças curtas, que estão entre as coisas mais expressivas e misteriosas de Prokofieff, beneficiando-se de uma linguagem pianística intensamente original. Prokofieff anotou cuidadosamente o ano de composição de cada uma; e assim podemos ver que as de 1915 tendem à leveza, e possuem um caráter quase lúdico, enquanto as de 1916 são predominantemente sombrias, lentas, às vezes espectrais. Elas aparecem fora de ordem, de maneira que um clima equilibra o outro.
O Scherzo que abre a n. 4 e o caráter quase desesperado das de número 14 e 15, escritas no tempo da Revolução, também parecem falar daquele período tormentoso.
Luis Paulo Horta
Les Tableaux d'une exposition de Moussorgski ouvrent une nouvelle voie pour l'imagination et le langage musical et rompent avec les conventions de 1' époque. Ce brillant recueil de dessins musicaux arrive juste après le gigantesque travail que fut Boris Godunov, le plus grand opéra russe. Nous savons combien celui-ci a influencé la sensibilité de Debussy et l'a incité à explorer un nouveau monde sonore. Les tableaux d'une exposition ont eu le même effet dans la musique pour piano. Comme pour Boris Godonov les critiques ont été acerbes devant l'originalité de ces tableaux. On a parlé d'inadéquation et de pauvreté du langage pianistique, comme si Moussorgski avait voulu seulement prolonger la riche tradition de piano dans la musique européenne.
Pour les Tableaux, ainsi que pour Boris Godunov, il désirait plus. Pianiste accompli, il aurait pu écrire une partition pianistiquement parfaite s'il avait voulu. Mais le piano pour lui n'était qu'un simple moyen de révéler une nouvelle sensibilité que la vision conventionelîe des choses ne satisfaisait plus.
Quand Moussorgski traduit, grâce à la musique, ses impressions sur une exposition de peinture de son ami Hartmann, il ne compose pas une musique "descriptive" ou une musique "à programme". LesTableaux sont le fil conducteur et le thème principal nous suit tout au long de ce pèlerinage. Le thème principal, qui se caractérisé par les Promenades passe par toutes sortes de variations et notre vision change au fur et à mesure que nous rencontrons et sortons du champs magnétique de chaque tableau. Ici, se dégage un peu de Tinvertion copertienne" , un des secrets de l'art moderne. Une vision "de dedans" qui représente beaucoup plus que le simple registre d'une "impression". Cet aspect subjectif ne doit pour autant remettre en cause la richesse de l'art de Moussorgski. Sa musique ne peut assumer toutes les nuances: l'intense poésie du Vieux Château, l'entrain joyeux des Poussains sortant de leur coques, l'impressionnante masse sonore de Bydlo, la charrue à beuf polonaise, l'alternance presque comique des voix des juifs, l'un riche, l'autre pauvre, l'atmosphère spectrale des Catacombes, le rythme frénétique de La cabane de Baba Yaga et finalement la splendide et très colorée Grande Porte de Kiev. Le miracle ici consiste à ce que l'immense variété de couleurs et de visions forment une magnifique fresque d'où surgit la personnalité unique de Moussorgski.
Le Prokofieff des Visions Fugitives avait 25 ans et passait par une période de grande créativité, un peu comme la première vraie rencontre avec soi même. De ce moment ont surgi la Suite Scythe, la Symphonie Classique, le très lyrique Concerto pour violon no 1 et surtout ces si étranges et essentielles Visions Fugitives.
"La dix-neuvième évoque les premiers combats révolutionnaires et nous plonge dans une réalité sanglante que l'artiste n'a pas pu ignorer" a écrit Claude Samuel. En, 1917, quand les armées allemandes se sont dirigées vers Petrograd (...le nom de Saint Peterssbourg avant la révolution), Prokofieff a décidé de rejoindre sa mére qui faisait une cure à Kislovodsk, mais les événements se sont précipités et les nouvelles les plus contradictoires sont arrivées sur la formation du gouvernement de Lénine; Prokofieff ne pouvant plus atteindre Petrograd a écrit: "Je n'avais plus de travail devant moi et ça me plongeait dans l'ennui". Plus tard, Chostakovitch a dit, " il fallait qu'il compose tous les jours, les jours de repos étant les plus pénibles pour lui". A propos des Visions Fugitives, Prokofieff faisait remarquer: " la dix-neuvième écrite à cette période reflète partiellement mon impression, l'idée de foule agitée, bien plus que l'essence de la révolution" . Ainsi surgit ce cycle de vingt pièces très courtes qui bénéficient d'un langage pianistique très original et qui sont parmis les morceaux les plus expressifs et mystérieux de ce compositeur. En haut de la page il a soigneusement noté l'année de création de chaque pièce, ce qui nous permet de constater que celles de 1915 sont plus légères et presque ludiques, tandis que celles de 1916 sont plutôt sombres, lentes et parfois effrayantes. Elles ne sont pas classées par ordre chronologique, de manière à maintenir un équilibre musical à l'intérieur du cycle. Le Scherzo du début de la quatrième, ainsi que le caractère désespéré de la quatorzième et de la quinzième, écrites pendant la révolution nous semblent parler de cette période troublée...
Luis Paulo Horta